Querido Deus,
Como tens passado? Espero que benzinho.
Antes de mais, terás que me desculpar por assumir, assim sem mais nem ontem, que serás do sexo masculino, mas a avaliar pela forma como deixaste este planeta evoluir, só podes ter um cromossoma Y. Não me leves a mal.
Outra coisa que quero tirar já do caminho: vou-te tratar como se fosses o Deus dos cristãos, dado que me têm sempre dito que tu é que és o verdadeiro e os outros uma fantasia pateta qualquer. De novo, não me leves a mal, mas tendo em conta o estado das coisas, não considero isso grande elogio, mas tu lá saberás como isso te faz sentir.
Andas bem de saúde? Dizem-me que nós, reles animais humanos, fomos feitos à tua semelhança. Como não fizeste um trabalho lá muito bom, e já és velhote, fico a pensar que deves ter bicos de papagaio e artroses. É uma chatice, eu sei, mas ouvi dizer que há umas pomadinhas que te poderão aliviar (ou a indústria farmacêutica é obra daquele senhor que vive naquele lugar cheio de fumo e enxofre?)
Deves estar a perguntar-te porque te escrevo esta cartinha. Não é para te pedir dinheiro (se bem que, se te apetecer ser amiguinho, eu não levo a mal) nem é para pedir que o adversário marque menos golos, ou que os Mon Chéries se vendam no Verão também. Nada disso, eu venho apresentar, se não te importas, uma pequena reclamação.
O assunto que me está a incomodar relaciona-se com a morte. Não é que seja contra a morte, nada disso. Se abolisses a morte, tinhas que abolir o envelhecimento e aumentar o número de canais de
reality television, e isso deprime-me deveras (quem é te deu a ideia, afinal de contas? Foi, desculpa a sinceridade, um bocado estúpida.)
Então, dizia eu, tenho problemas com a morte. Ou melhor, com assuntos relacionados com a mesma. Incomoda-me a parte dos resíduos biológicos. Ora pensa comigo: andamos nós, gente humana, uma vida inteira a tentar esconder o pum e o arroto, a borrifar os sovacos e a tomar banho que nem uns doidos para parecermos mais cheirosos, e vens tu e crias uma regra que estraga isso tudo depois de batermos as botas. Está mal, caramba.
Eu gostava que tu mudasses isso. Das duas, uma: ou o nosso corpo ficava para sempre igual ao momento imediatamente antes da morte (olha que era giro, e repara que até te deixo a possibilidade de aniquilares aqueles de quem gostas menos em alturas mais embaraçosas...) ou então devia-lhe acontecer qualquer coisa que eliminasse essa coisa dos gases, da putrefacção e do
rigor mortis. Sei lá, assim de repente, podias fazer os corpos desaparecer, que tal? Assim, puf, foi-se, e acabou, não há cá cheiros ou as chatices de termos que os guardar num local fresquinho e depois metê-los debaixo da terra. O que achas?
Acho que te estou a dar uma ideia bem gira. Podias também aplicar isso aos restantes animais, que assim acabava essa mania que os humanos têm de matar as coisas que se mexem para as meter na boca. É o meu lado de terrorismo ecológico que está a falar, se calhar. Não me leves a mal, afinal de contas, se penso assim, dizem-me que é porque me fizeste assim (não te arrependes da tua obra? Já viste as chatices que te dou?)
Além de fazeres as coisas mortas desaparecerem, também acho que devias criar uma lei universal que defina que todos os entes queridos devam receber um sms a avisar que o seu humano se finou e fez puf. Isso implica, é claro, que dês um telemóvel a toda a gente, e que nos faças nascer com um pré-programa de conhecimento de novas tecnologias. Acho que seria um bocado chato uns saberem das más notícias e os outros ficarem na ignorância (e esses seriam os menos favorecidos, e todos sabemos que os teus favoritos são os meninos e meninas bem.)
Ah, e não achas que os restantes animais também deviam ter acesso a tecnologias especiais? Imagina o mundo colorido que teríamos se os coelhos soubessem manejar uma AK-47 e um touro soubesse que botão da central nuclear é que faz a desgraça. Não era giro?
Já agora, Deus, se não for pedir muito, já que nos deste a inteligência de sabermos inventar a poluição, não queres também levá-la com orgulho para o teu condomínio fechado? É que acho um bocado egoísta da nossa parte ficarmos com toda a porcaria e pestilência só para nós, sem te darmos um bocadinho.
Olha, de resto, é como te disse de início, desejo-te saudinha e muitos amiguinhos, e que a vida te corra bem como nos corre a nós, em especial neste país que é o meu Portugal, coisa especial e próspera.
Muito carinho,
Eu, a tua amiguinha.