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quinta-feira, 15 de maio de 2008

Espectáculo de Rua

Há um mês, passei pela A5 de manhãzinha. Para quem não sabe, passar pela A5 (auto-estrada para Cascais) em hora-de-ponta equivale a desejar que nos arranquem um dente sem anestesia - uma dor, uma chatice, um sonho de Verão cheio de Aquecimento Global.

Antes de entrar na auto-estrada propriamente dita, nós, condutores torturados, temos que passar por uma pontezinha. Essa pontezinha, como todas as que se prezem, possui um anémico passeio que a atravessa de uma ponta à outra. Outros extras incluem um gradeamento que inclina para a estrada na parte superior e grandes quantidades de monóxido de carbono, cortesia dos pouquinhos veículos que por lá passam diariamente.

Nessa manhã, eu ia com pressa. Tinha que estar num local às 9h30 e eram já 9h. Chego à ponte e deparo-me com um engarrafamento de fazer inveja a uma Nova Iorque ou Nova Deli. Cheios de originalidade, os condutores apitavam, talvez na esperança que um raio cósmico se abatesse sobre aquela zona e os fizesse levitar dali para fora. Não aconteceu.

Raios partam, pensei. Mais um acidente. As pessoas não sabem escavacar os carros em horas mais próprias, tipo... quando EU não estiver a passar? O mundo é tão injusto.

Lá seguimos todos, a farejar as traseiras de metal uns dos outros, cada condutor a passar o tempo da melhor forma - tirar coisinhas verdes do nariz, pentear o cabelo, cantar. Pessoalmente, gosto-o de passar a tentar nunca travar e rezar para que haja entidades divinas que gostem de mim e me salvem da desgraça (infelizmente, esta resolução nunca foi muito longe, sendo eu uma céptica... que pena.)

Como é normal, todos gostamos de especular acerca do que estará a fazer demorar o trânsito. Será um choque em cadeia? Um camião cheio de combustível? Uma trotinete? Quando cheguei ao local propriamente dito, vi a razão de ser daquela confusão toda e ia-me dando um treco: acidente? Nada disso. Carros partidos? Nem um.

Era um tipo que estava do lado de lá da cerca, descansado da vida, com ideias de se atirar dali para baixo!

Sinceramente, nada tenho contra o suicídio, da mesma forma que nada tenho contra quem emborca colesterol puro ao pequeno-almoço: cada qual faz o que entender com o seu belo corpinho, desde que não me chateiem. Contudo, naquela manhã em particular, eu estava chateada! Mas quem raio era o tipo para empatar o trânsito assim?! Ao menos que o fizesse atirando barras de ouro à malta!

Quem é que se decide atirar de uma ponte em hora-de-ponta? Um tipo com pretensões a actor, decidido a fazer a actuação final da sua vida? Um chato decidido a empatar a vida do próximo? Um gajo com falta de atenção?

Era ver o homem a fumar, descontraidamente, enquanto entregava o casaco ao bombeiro que estava do lado de cá da cerca. Devia ser valioso e não convinha que se machasse de sangue. Até parecia que ia de férias, o desgraçado. Apeteceu-me baixar o vidro e mandá-lo atirar-se dali às 5h da matina, e que nos deixasse, sobreviventes, em paz e sossego.

Alguém me diz porque é que o trânsito estava entupido por causa desta criatura? Que raio de gosto mórbido é o nosso, que gostamos de ver se há sangue, tripas, ou platina no asfalto? "Senhor polícia, não se importa de atirar esse bocado de crânio para aqui? É que nunca vi miolos de gente ao vivo..."

Cheguei atrasada. Tudo por causa de um tipo decidido a fazer espectáculo. Nem sei se ele teve a decência de actuar até ao fim, ou se mudou de ideias e foi para casa, descansado, fora da hora de maior trânsito, dar de comer aos filhos e rezar para que a coisa saísse no Jornal da Noite.

Haja paciência.

1 comentário:

K disse...

És melhor do que eu, és és... eu diria mesmo "VAI-TE MATAR, PÁ, SÓ ANDAS A ESTORVAR"... lol mas tb sou sádica.