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quinta-feira, 2 de abril de 2009

Água fria da ribeira

De manhã, no outro dia, estava eu no carro a caminho do trabalho, quando me dá uma daquelas sedes. Era uma sede do tipo que nos faz pensar em pergaminhos secos na garganta, em areias áridas, flores secas e mirradas, pó milenar... vocês estão a ver a ideia.

Ora, a ideia, no fundo, é que era uma vontade desalmada de beber água, sob pretexto de sentir que a minha laringe se ia revoltar contra mim e saltar do carro em movimento se eu não a hidratasse rapidamente. Eu até tenho um carinho especial pela minha laringe, por isso, a coisa estava periclitante.

Não costumo beber nada a caminho do trabalho. Regra geral, saio de casa confortável e estou cronometrada para apenas ter sede quando me sento à secretária (eu sou assim, uma máquina bem preparada - invejem-me). Contudo, o meu mecanismo interior não estava a funcionar bem, e lá vem sede no carro. Bolas.

Haveria água a bordo? Entre uma olhadela rápida à estrada e aos bancos, estofos, de novo à estrada, chão, tapetes, estrada, chão outra vez e compartimento lateral da porta - Eureka! - lá vi, sorrindo para mim, uma garrafinha de H2O. Os deuses curtem-me.

Depois de ter feito uma manobra que iria orgulhar o meu instrutor de condução - basicamente, tirar os olhos da estrada, esticar-me para o lado o mais que conseguia sem largar o volante, ver que não chego ao raio da garrafa, largar o volante por uns segundinhos de nada e, finalmente, chegar ao malfadado objecto dos meus desejos, regressando ao meu lugar com um grito de guerreiro satisfeito (se os guerreiros forem sopranos desafinados) - lá senti a antecipação do acto de beber. A minha garganta daria pulos de contente, caso tivesse pés.

Olho para a garrafa, sorrio, olho de novo, esbato o sorriso. Argh, é aquela marca de água de canos! Raios, raios, raios! Havia, afinal, uma boa razão para a ter no carro: uma colega tinha-ma dado com a promessa de que seria a pior água de marca que eu iria provar em território nacional, e tinha toda a razão. Sabia a água espanhola ou francesa, depois de ter estado uma semana a marinar em canos de plástico velho ao sol. Blhac.

Bem, mas eu tenho sede. Um golinho de nada não me vai matar e aguento até chegar ao trabalho. Vamos lá, tu consegues. Mais manobras lindas de se ver para tirar a tampa da garrafa e cá vão uns golinhos, glu glu glu, garganta abaixo. Aaaah.

Venci a sede! Alegria! Júbilo! Euforia! Preparo-me para fechar a tampa e seguir com a minha vida bem mais húmida, quando... me cai a porcaria da tampa para o buraco sem fundo que é a zona dos pedais. Puf, lá foi aquela coisinha de plástico a rolar, gozando-me, até ao Lugar de Não Retorno. Tentava mais manobras de orgulho-de-instrutor? Se calhar nem por isso, acho que estas davam direito a bilhete grátis para o meu funeral.

Fico, então, com uma garrafa meio cheia na mão. Vamos dizer 25cls de água morna e com sabor a ranço. Nham. O que fazer? Segurá-la até chegar ao destino não é propriamente uma opção: algo me diz que estacionar com uma garrafa aberta no colo ou entre os dentes não me deve dar pontos por esperteza.

Ficar com ela na mão está fora de questão, e ainda faltam 20 minutos para chegar. Olho para a água e dou uma de Clint: "Do you feel lucky, punk?" Pensas que te ficas a rir de mim, mas não!, vou-te tramar. Bota abaixo.

Glu glu glu. Água estagnada. Glu glu glu. Mais uns goles e tens a garrafa despejada. Não esmoreças! Pensa para ti: o que faria Jesus? (Não faço ideia o que ele faria, mas aposto que não tinha bebido esta porcaria, transformava-la em champagne). Glu glu glu. Estou quase a despejar a garrafa! Não morri! Estou com cara de quem está quase em coma, mas não interessa!

Nisto, o meu carro dá um solavanco. Aparece o estupor da tampa branca, reluzente contra o tapete do carro, como quem me goza. Está ao meu alcance, a desgraçada. E eu cheia de água no estômago. "#%#&!"

Mais uma manobra arriscada, pego na tampa, fecho a garrafa e vocifero mais algumas palavras coloridas que os meus paizinhos não me ensinaram, mas que ajudam muito nestas alturas da vida.

Alguém tem sede? Ainda me sobrou um bocadinho e continua no carro à espera...

3 comentários:

J H P disse...

Sabias que se tivesses deitado a água pela janela que não estarias a cometer nenhum crime ambiental, hã?

:D

Leonor disse...

Deitar fora uma água perfeitamente boa e a saber a ranço? Que ideia...

:p

BKD. disse...

Vá lá, não era uma garrafa de líquido de radiador!!!